12.8.08

a falta que faz

O Da Gaveta nasceu no dia 10 de agosto de 2006. Um texto, feito durante uma aula da disciplina "Técnicas de Redação I", inaugurou este espaço que completou dois anos. Meu avó, que se estivesse vivo, hoje, dia 12 de agosto de 2008, completaria 83 anos, foi o homenageado...

... acordei com um aperto no coração. Com uma vontade de deixar as lágrimas rolarem sem me preocupar em ser vista com o rosto molhado. A saudade e o desejo de ainda tê-lo aqui por perto estão tomando conta de todo o corpo. Ele faz falta. Muita. Mas também é bom ter a certeza de que o tempo em que o tivemos ao nosso lado foi suficiente para eu me dar conta de que ele, o meu avó Abrahão, foi um homem raro - daqueles que já não existem aos montes nos dias de hoje...

Para colocar para fora um tantinho dessa "tristeza", deixo aqui um trecho do primeiro texto desse blog:

"Da coleção de vinis

Ouvia as histórias. Diziam: “ele é muito inteligente, poliglota, conhece arte e música clássica como ninguém”. O encanto seria inevitável, como de fato foi. Da infância nada é muito intenso na memória – como se de propósito tivesse apagado qualquer resquício daquela época -, mas, mesmo assim, algo a liga àquelas histórias. Existiram os vinis. Neles, ela sabe, ficaram guardados todos os bons momentos que viveram juntos (e que poderiam ter vivido). Desde bem pequena tinha a certeza de que os LP’s seriam uma ligação com o passado – não saudosista, mas confortante. Em cada uma daquelas faixas circulares, encontraria os ensinamentos que não lhe puderam ser dados. Ela decidiu: as músicas pelas quais ele se apaixonou seriam os primeiros objetos de sua casa.

Era muito nova. Para eles, uma criança apenas. Mas, aos nove anos, já sabia que as bonecas estavam num daqueles baús esquecidos pela vida. Não lhe faziam mais falta. Ela só queria que ele estivesse bem. Tinha medo, por isso cuidava com atenção. Acompanhava o seu ritmo para não o deixar cair. Ainda conversavam. Ele contava histórias que ela já não consegue lembrar. Mas sabe que eram boas e a faziam sorrir. Tinham os livros também. Discos e livros na mesma estante da sala. O tapete e as cortinas verdes. As poltronas. Ele sentava na que ficava à esquerda. Aos sábados, não era servido o jantar. Todos esperavam o café, o pão e o bolo quentinhos. Ele já não tinha uma expressão alegre, mas também estava lá. Ainda tinha o equilíbrio que perderia pouco tempo depois.

Depois de um erro médico durante o transplante de coração, perdeu os movimentos. Quase todos. Tinha um coração jovem, mas não poderia aproveitá-lo. Viveria, a partir de então, os anos que lhe ainda fossem concedidos, na cama. Ela estaria lá. Forte como nunca, mas ainda muito criança para eles. Completará 11 anos e nem percebera que as festinhas aconteciam, que as meninas já não odiavam os meninos, que alguns já se achavam namorados. Ela não queria saber daquilo. Nada lhe interessava. O sono era leve. Acordava com qualquer ruído e corria para o quarto dele: “você está bem?”. Quando a resposta demorava, quase se desesperava, mas tentava mais uma vez: “está tudo bem?”. “Estou”... só então voltava a dormir.

Era um domingo. Outubro de 1998. Ela tinha 13 anos e arriscava-se na cozinha. Naquele dia 18 fez um bolo de chocolate – sua especialidade. Ele não comia sozinho. Precisava de ajuda. Ela deu-lhe na boca. De madrugada algo aconteceu. Ele sentiu-se mal, vomitou. Ela entrou em pânico: acreditava que tivesse sido o bolo de chocolate. Ligaram para a ambulância. Ele a olhou e mais nada precisaria ser dito. Ela saberia que seria a última vez que ele estaria ali. Quando partiram para o hospital, alguém falou: “não se preocupe porque ele vai voltar”. Ela sabia que não..."

2 comentários:

Anônimo disse...

Hoje também acordei com o coração apertado, é tudo muito perto... "Dia dos Pais e Aniversário". Sinto muita falta dele, falta do homem em sua perfeita forma e que me orgulho de ser filha. Mais uma vez me fez chorar... Bjos mamis.

Helena disse...

Thá, me emocionei com o seu texto.
Ainda mais porque no dia 11 de agosto o meu avó completaria 84 anos. Coincidência, não? Beijos, Helena