27.3.08

no mundo só de tempo

(o texto abaixo já estava empoeirado, em meio a tantos outros pedaços de papéis guaradados - ou escondidos - naquela gaveta. Não sei explicar o motivo, mas lembrei dessas palavras dia desses. Acho que o meu grilinho, a consciência para os menos íntimos, me deu um chacoalhão. As coisas pequenas, como dizem por aí, consumiam muito tempo por aqui. Importânica demais ao que nem é tão importante assim. Lembrei-me dessas palavras. Sobre o enxengar de outro alguém)
O nome dela é Ananda. A distância, o tempo (ou a falta dele) e os diferentes caminhos descobertos pela vida impediram que os encontros continuassem freqüentes e semanalmente. Mas as sensações ainda se fazem presente. As impressões não se foram com o passado – ainda é possível senti-las – e à maneira como ela ensinou.
Os olhos enxergavam por meio das mãos. As cores, impressionantemente, eram coloridas com apenas um toque. Ela fora atração das rodinhas daquelas noites. Todos queriam ver para crer – como dizem ser necessário e fundamental no mundo da totalidade dos sentidos. Era como brincadeira de criança. Ela os distraía por horas a fio. As regras quase sempre eram as mesmas: todos queriam ser tocados só para verem que as percepções da garota Ananda eram sentidas por meio de outros caminhos.
Para eles, pequeninos e ingênuos, tudo era mágico. Não existiam explicações lógicas para aquela troca de sentidos que a garota havia estabelecido. Era impossível acreditar que a percepção visual de Ananda era feita por meio do tato. Mas os anos passaram, e com eles o mundo da garotinha que sentia as cores foi desvendado.
Já não eram mais crianças. A idade adulta estava mais próxima do que nunca. O mundo de referências estava expandido. No repertório: filmes, livros, documentários, ensaios, crônicas, textos acadêmicos e olhos mais cansados do que antes. Eles também já não tinham por perto as sensações de Ananda. Por acaso, coincidência, ou qualquer explicação que tenha o mesmo sentido, só no último ano da faculdade – quase dez anos depois do último encontro com a menina que via com as mãos – descobrira aquele mundo encantado.
Tudo ficava mais claro depois que ouvira uma frase sem sentido para aquele mesmo mundo da totalidade dos sentidos. “Eu pedi a Deus para Deus me deixar um tempo cego, cego aparente” – dita pelo músico Hermeto Pascoal no documentário Janela da Alma (João Jardim e Walter Carvalho, 2002). Ele é uma das “dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total que falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo”.
Pascoal foi além - afirmou que se fosse totalmente cego, sua sensibilidade seria mais aguçada. Para os que não o entenderam, explicou o sentido de seu desejo: “Porque olhando é tanta coisa ruim que a gente vê, que atrapalha a visão certa, a visão das coisas que a gente quer fazer na vida”.
As palavras do músico foram decifradas dias mais tarde quando foi apresentada à Oliver Sacks e à “história de Virgil, a história da recuperação “milagrosa” da visão por um homem cego”. A leitura, como tantas outras, era obrigatória. Mas eram muitas as opções – cabia escolher a que lhe agradava. Ver e não ver lhe deixou com as idéias mais claras – ela, que aprendeu a viver com a percepção simultânea de objetos, fazia questão que tudo estivesse claro. “Nós, com a totalidade dos sentidos, vivemos no espaço e no tempo; os cegos vivem num mundo só de tempo”.
Foi preciso continuar a leitura para se dar conta que “os cegos constroem seus mundos a partir de seqüências de impressões (táteis, auditivas, olfativas) e não sendo capazes, como as pessoas com visão, de uma percepção visual simultânea, de conceber uma cena visual instantânea”.
Virgil vivera, desde que nasceu, no mundo só de tempo. Na idade adulta – aos 50 anos – entretanto, propuseram-lhe conhecer o mundo do espaço e do tempo. Ele aceitou. Fora submetido a uma operação para conhecer percepções visuais. “Como seria a visão nesse paciente? Seria “normal” a partir do momento em que foi restaurada? É o que imagina de início. É a noção do senso comum – que os olhos se abrirão, as crostas cairão e (nas palavras do Novo Testamento) o cego “receberá” a visão.” (Ver e não ver, Oliver Sacks).
Porém, Virgil encontrou todas as dificuldades que também enfrentam os bebês quando chegam ao mundo: tudo era novo. Ele teria que aprender a ver e, “tentando se adaptar à visão, é difícil passar da cegueira à visão. Tem que pensar mais depressa, ainda não é capaz de confiar na visão”. Virgil, depois da operação, teria que descobrir o que significava ver.
“A história da recuperação “milagrosa” da visão por um homem cego” lhe fez lembrar de Ananda. Depois de Ver e não ver, ela começou a torcer para que a garota ainda vivesse em seu mundo só de tempo, e que estivesse sentido as cores como fizera naquelas noites de brincadeiras de crianças.

15.3.08

época debate

Foram três meses na redação - de julho a outubro. Foram inúmeras ligações para as sedes da Polícia Federal e Ministério Público espalhadas por todo o país. Foram inúmeros encontros e desencontros. Foram inúmeros números, cálculos e nomes. Foram quase 300 operações - com os mais diversos objetivos. De 2003 a 2006. A idéia era fazer mais do que um levantamento. A idéia era fazer um "estudo inédito", como consta na capa da primeira edição Época Debate.

Para os que querem matar curiosidade sobre o misterioso (e às vezes inexplicável) frila que fiz na editoria de Brasil de uma das mais importantes revistas semanais do país, basta comprar a Época que chegou às bancas neste sábado. A edição nº 513, de 17 de março de 2008, traz "um suplemento de 20 páginas, que inaugura uma série sobre os temas que definirão o futuro do país". Para o primeiro número, a reportagem especial "Lugar de corrupto (não) é na cadeia".

A chamada de capa explica: ÉPOCA fez um estudo inédito das mais de 200 operações da Polícia Federal para desbaratar quadrilhas de corruptos realizadas desde 2003.
O lado positivo: a polícia nunca trabalhou tanto.
O lado negativo: de cada 100 envolvidos nas denúncias, apenas 7 estão presos. O que fazer para acabar com a impunidade?

Acabei de comprar o meu exemplar. É como ter um filho, sabe? Desde o primeiro dia de apuração, passaram-se mais de oitos meses. Foi quase um parto mesmo. Até brinquei quando soube que a reportagem sairia essa semana: "queria ter ido até a gráfica só para filmar o nascimento. Como aqueles pais de primeira viagem na sala do parto."

Mais legal do que encontrar, ao final da reportagem, o meu nome no expediente, é saber que, depois dessa cobertura, me tornei mais profissional. Aprendi muito. Muito mesmo. Tenho um orgulho danado de ter feito parte da equipe. O Wálter Nunes, um puta repórter, apostou em gente jovem como eu. Agradeço. E tiro o chapéu para ele. Participar de uma cobertura como essa foi uma das coisas mais legais e prazerosas que já fiz. Apesar de ter acabado de me formar, e de ter a certeza de que muitas outras grandes reportagens virão, tenho absoluta convicção de que essa já entrou para a história. Descobri que tenho muita afinidade com o mundo da política. Quero, se tudo der certo, trabalhar cobrindo os bastidores do poder por muito tempo... Torçam por mim! Ah, só peço uma coisa. Aos que comprarem, um recado: mandem os comentários, ok?

Atualizando: para os que não conseguirem comprar a revista, cliquem aqui e leiam a versão digital de 'Época Debate'.

11.3.08

de um desassossego

Agonia no estômago. Ansiedade. Inquietação. Desassossego que impede o repouso. Agitação. Nervosismo. Aflição. Afligimento. Angústia. Atormentamento. Efervescência. Exaltação. Excitação. Formigueiro. Frenesi. Impaciência. Inquietude. Movimentação. Preocupação. Expectativa.

Durante a minha infância, estudei em vários colégios diferentes. Toda mudança era sempre carregada de expectativa e dores de barriga. Na vespéra do início das aulas, então, eu sempre sentia que o meu coração ia sair pela boca. É como me sinto hoje - mas, dessa vez, papai e mamãe não me deixarão na porta da escola, e não estarão segurando a minha mão.

Já era hora, né?! =)

(com tantos sinônimos de ansiedade juntos, não poderia mesmo me assustar com o recém-descoberto diagnóstico de gastrite nervosa, né?!)


Quando as dores de barriga ainda eram por causa do primeiro dia de aula!

7.3.08

promessas e desculpas

Vovó,

amanhã é comemorado o 'Dia Internacional da Mulher'. Tenho pensado muito sobre a mulher que sou, sobre a que eu gostaria de ser, sobre a que eu jamais seria, sobre as que me inspiraram, sobre as que ainda me inspiram, sobre as que me apoiam (e que eu apóio também), sobre as que me fazem rir ou chorar, sobre as que eu amo, sobre as que sinto falta, sobre as que cantam as minhas músicas preferidas, sobre as que fizeram os filmes que eu jamais esquecerei... A senhora faz falta por aqui. Sei que estou em dívida. Sei que não existem mais desculpas para adiar a tão desejada visita. Sei o quanto é ruim não nos encontrarmos diariamente como antes. Sei que a nossa presença também lhe faz muita falta. Sei que os últimos anos não foram os mais fáceis de nossas vidas. Sei, acima de tudo, que o meu maior desejo era estar aí hoje.

Mas, nesses quatro anos que se passaram, aprendi muitas coisas sobre a vida. Descobri que nem sempre podemos fazer tudo o que o nosso coração tanto pede. Às vezes, sinto-me de mãos atadas. Mas não deixo de pensar que as minhas frutas e flores logo serão colhidas - e, conseqüentemente, meus mais inalcançáveis sonhos serão atingidos. Confesso, porém, que me sinto uma mulher melhor a cada dia que passa. Consegui um tempo para pensar em mim - e, enfim, deixei para trás aquela tristeza que acompanhava todos os meus passos. Sou mais segura. Sou menos aflita. Sou mais compreensiva e mais calma. Mas ainda acredito que posso mudar e comandar algumas coisas que estão ao meu redor. Vez ou outra, a frustração bate em minha porta. Infelizmente, nem todas as soluções estão ao meu alcance.

Mas essa carta é para tentar lhe mostrar o quanto é grande o meu amor pela senhora. Não só por tudo que fez (e ainda faz), mas por ter nos dado as melhores coisas de nossas vidas - ainda bem que a senhora e o vovô se reencontraram. Ainda bem que tiveram a menininha Maria Luiza. As suas netinhas, em especial a mais velha, e o netinho agradecem.

Vó, também sinto muita saudade. Das conversas na sala, das risadas, do chuchu refogado, do seu colo, de assistir aos jogos do Palmeiras com o coração na mão, dos seus comentários sobre as pernas do Ronaldo, das suas histórias de mocidade, das marchinhas de Carnaval, das broncas, da sua companhia, daqueles lanches da tarde no apartamento antigo... São tantas as saudades...

Segurando as lágrimas, termino essa simples carta dizendo obrigada. No meu 'Dia Internacional da Mulher', a senhora merece todas as minhas homenagens (e todas as minhas desculpas por ainda não ter cumprido todas as promessas que já fiz).

Te amo!