10.2.09

o medo que dá

Você já teve medo? Do escuro? Da chuva forte? De raios e trovões? Medo de ficar sozinho em casa? Medo de sua mãe te esquecer na escola? Medo de elevador? Medo do cachorro da vizinha? Medo de machucar, de ofender, de ser desagradável? Medo de se perder e nunca mais se encontrar? Quando era pequena, tinha medo de (quase) tudo.

O mais marcante, ou o que está mais presente em minha memória, era o medo de não ter meus avós por perto. Não tive uma infância muito convencional, digamos assim. Passei os anos de criança cuidando do meu avô. Ele foi a pessoa mais inteligente e admirável que conheci até hoje. Forte, como poucos conseguem ser. Mas, por uma peça pregada pelo destino e por um erro médico, ele perdeu quase todos os movimentos do corpo. Passou muitos anos deitado na cama. Dependia de todos para as coisas mais simples. Eu era uma criança, mas cuidava dele como uma adulta - dava banho, comida, ajudava a trocar de roupa... Era tão ligada a ele, que não coseguia nem dormir. Acordava milhares de vezes durante a noite só para ver se estava tudo bem. "Vô, vô, está tudo bem?". Quando a resposta era positiva, eu voltava para o sofá da sala para tentar pegar no sono outra vez...

... sempre fui muito medrosa. Demorei a confessar que estava apaixonada por medo de receber um não. Enquanto todas as minhas amigas, com seus doze anos, já tinham namorados, eu preferia ficar quieta a ser rejeitada. Medo de amar, mas não ser amada. Nessa época, em que as coisas estavam se formando na minha cabeça, meu mundo era uma confusão só. Cheguei a ser covarde, para ser sincera. Mas, na verdade, eu nem sabia ser de outro jeito. Não gostava de histórias de terror, de montanha-russa, de rebater quando apanhava. Tinha medo de machucar, e nem me importava se os outros estavam me maltratando.

Tinha tanto medo, mas tanto, que não consiguia dormir quando alguém morria. Aliás, não consiguia ir para qualquer lugar sozinha. Quando "Mamonas" morreram foi um horror. Lembro que fiquei vários dias assustada. Tinha certeza absoluta que, assim que eu abrisse os olhos durante a noite, eles estariam lá para me pegar. Podem rir. Mas é mais pura verdade. Sempre que ficava sozinha em casa, eu ligava a televisão - só para ter a sensação de companhia, sabem?

Aqui, somos em quatro irmãos. Mesmo mais velha, assumi o papel de mais medrosa. Morria de medo dos meus pais, e justamente por isso, nunca consegui menti. Orgulho-me um pouquinho disso, mas nem sempre ser tão verdadeira e sincera é sinônimo de alguma coisa boa. Já sofri muito por ser assim. Estou aprendendo a melhorar. Se vou conseguir? Sinceramente, não sei.

Já tive medo de morrer em alguns momentos. Um deles ainda está muito presente em minha memória. Lembro que eu e minha família estávamos indo ou voltando de uma viagem. Numa ultrapassagem, por muito pouco não fomos atropelados por um imenso caminhão que vinha no sentido contrário. A única imagem que ficou em minha mente foi a da buzina estrondosa e daquelas luzes amarelas em nossos rostos... Minha mãe diz que quase fui atingida por um raio quando tinha uns quatro anos, mas como não me lembro, acho que não senti medo, não.

O medo já chegou a me parasilar. Quase perdi alguns dos melhores momentos da minha vida por medo. Aos poucos, fui aprendendo a lidar com ele. Comecei a dominá-lo, antes que eu acabasse de vez em suas mãos. Lembro que a morte do meu avô, em outubro de 1998, foi a responsável por eu comecer a perceber que, mesmo que a gente tenha muito medo, as coisas acontecem. Algumas fogem de nossa alçada. Não cabe a nós decidir sobre alguns caminhos dessa vida. Eu era muito jovem ainda. Essa clareza não veio tão facilmente. Mais alguns anos tiveram que passar para que eu começasse a me dar conta de que meu medo não me deixa a salvo do mundo. Corri menos riscos, confesso. Mas também vivi menos durante os anos em que o medo me assombrou...

... Hoje tenho menos medo das coisas do mundo. Arrisco-me mais. Aprendi sofrendo, como não poderia deixar de ser. Já não tenho medo de escuro, nem da sala vazia sem a televisão ligada. Não tenho medo do silêncio. Já não tenho medo de chuva, nem de raios e trovões. Descobri, recentemente, que já não tenho mais medo de dirigir. E já subo na balança sem medo nenhum. Hoje, já não tenho medo de pedir arrego. Também não tenho medo de errar. De assumir os meus erros, e de tentar corrigi-los. Mas, acima de tudo, hoje, já não tenho medo de sentir medo. Quando sinto, o encaro. Às vezes venço, outras me deixo levar... Mas, no fundo, no fundo, sempre tem aquele medo que a gente deixa escapar.

Nenhum comentário: