18.8.06

“É assim como a luz no coração”

Nem tinha chegado aos seis. Pequenina, inocente e – inconscientemente - desbravadora foi apresentada a ele. Diferentemente das histórias que um dia viriam a lhe contar, o amor não foi à primeira vista. Na verdade, não entendera o seu significado, tampouco sua utilidade. Para quê seriam aquelas linhas finas sem começo nem fim? Para quê tantos, se eram todos iguais? Por que tão escuro? Por que aquele buraquinho que encaixara o dedo mínimo de sua mão? Não entendera, não perguntara.

Soubera que embalados, nada fariam. Mesmo que estivessem lado a lado, não poderiam executar, ao mesmo tempo, a função que lhes foi dada. Ouvira dizer que, apesar de idênticos, cada um teria importância única. Cada uma daquelas linhas traria significados diferentes. Ninguém as interpretaria da mesma maneira. Soubera também que muitos deles não se faziam entender – a não ser que estivessem onde os compreendessem. Isso nem sempre importava para os que por eles eram apaixonados.

Na casa do avô os encontrava com mais freqüência. Ficavam naquele mesmo lugar - e sempre. Ninguém os tirava dali sem que o dono da casa dissesse “sim”. O avô também lhe mostrara que além de embalados, soltos também não eram utilizados – a não ser para dar prestígio para aqueles que os tinham em grande quantidade. Com um olhar curioso, perguntara: “então, por que tê-los?”.

“Aqui é que eles se transformam em algo mágico”, o avô lhe dissera mostrando-lhe uma caixa marrom. Os olhos da pequenina de seis anos brilharam. Ela apenas repetira “algo mágico...”. Atenciosamente, ela observara cada movimento do avô: procurando aquele que mais lhe causava emoções – ele acreditara que aquele também cativaria a sua garotinha -, deixando-o livre daquele papel que lhe protegera e levando até aquela caixa. Ela só acompanhara com o olhar. Sim, já estava encantada antes mesmo de conhecer o que era aquele “algo mágico”.

Só naquela caixa marrom viriam as explicações para as primeiras perguntas: um pino no centro, como seu pequeno dedo da mão, também encaixara no buraquinho; a agulha carregada por uma vareta deslizara pelas linhas finas. Magia. Daquele escuro objetivo soaria, a partir de então, a paz e a alegria – a escolha do avô era incontestavelmente linda. Ali ela ouviria, pela primeira, que “alegria é a melhor coisa que existe”. O amor surgiu – talvez não tão inexplicavelmente. Vivendo Vinícius seria, daquele dia em diante, o seu disco de vinil mais querido.

Um comentário:

moça dos olhos d'água disse...

herança assim, feita das lembranças de dias felizes, nada no mundo paga (nem apaga). beijos e saudades. adoro as suas memórias, menina linda! ;)